
Os Xukuru-Ororubá são uma etnia indígena que habita a região da Serra do Ororubá, localizada no município de Pesqueira, na Região Agreste de Pernambuco. Em 2010, segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população autodeclarada indígena em Pesqueira era de 9.335 habitantes, 14,8% da população total dos 62.931 habitantes do município.
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A própria história de Pesqueira remonta ao aldeiamento dos Xukuru fundado pelos missionários da Congregação do Oratório, em 1660. Ao longo dos anos, fazendeiros e posseiros da região invadiram o território xukuru, homologado apenas em 2011. Após terem seus direitos da terra demarcadas em 1989, foi preciso mais de uma década de luta para conquistar os 27.555 hectares de terra pertencentes aos Xukurús
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A emergência como líder de Francisco de Assis Araújo, conhecido Xicão, deu-se na década de 80, período de mobilização política dos Xukurús pela retomada da terra. Xicão, que ainda não era cacique, foi um líder ativo na movimentação indígena durante a campanha da Constituinte, em 1988, momento em que ganhou forte apoio de seu povo. Em 1989, Xicão foi eleito Cacique, ano em que foi iniciado pela Funai o processo de regularização fundiária.
A entrada nos anos 90 começou com a Retomada da Pedra D'Água, área de 110 hectares, então arrendada à posseiros pelo Estado. As retomadas foram estratégias empregada pelos Xucurús para afirmar seus direitos à terra. A região da Pedra D'Água era considerada sagrada pelos nativos, e foi apropriada pela Prefeitura de Pesqueira em 1879, quando foram extintos os aldeamentos indígenas.
A ocupação durou 90 dias e articulou 23 aldeias da região. Em nota para imprensa, assinada por três líderes indígenas, entre eles o cacique Xicão, conforme publicado na Revista Porantim (N.º 133/134. Nov./Dez. 1990, p. 1), os Xukurus exigiram que a FUNAI tomasse providências em um prazo de 40 dias. De acordo com eles a invasão dos posseiros, que inclusive estavam desmatando o local, deixava os indígenas sem lugar para suas roças. Os posseiros reagiram à investida proibindo os índios de plantarem em suas terras e não os aceitando como trabalhadores.
A antropóloga Hosana Santos defende em sua tesa de mestrado que a retomada da Pedra D'Água consolidou a atuação de Xicão.
"A retomada de Pedra d’Água foi uma das mais representativas para o povo Xukuru por ser a primeira mas, sobretudo, por seu caráter simbólico e religioso", escreve. A capacidade de liderança do Xicão virou referência no Brasil.
Depois dessa houve ainda cinco outras retomadas, todas sob a liderança do cacique. Cada uma delas aumentou progressivamente a tensão entre índios e fazendeiros. A situação, segundo Santos, os colocou novamente em uma situação que exigia sua mobilização:
"[a retomadas] possibilitaram ao movimento Xukuru melhores perspectivas: as famílias se tornaram cada vez mais comprometidas com a luta territorial e aumentou a esperança das famílias das outras aldeias que ainda não tinham terra", pondera.
Em 1992, ano de duas retomadas, em Caípe e na fazendo Queimadas, e da declaração da terra como posse permanente dos Xukurús, o primeiro assassinato no contexto da disputa aconteceu: índio José Everaldo Rodrigues Bispo foi alvejado enquanto caminhava pela propriedade do fazendeiro Egivaldo Farias da Silva. O Jornal do Brasil, no dia 10/09/1992, publicou que, segundo os Xukurús, José Everaldo foi morto com quatro tiros. A retaliação foi imediata: um grupo de índios incendiou a casa de Farias da Silva.
Depois de muita luta, o Diario da União oficializou em 1995 a realização da demarcação física de 27.555 hectares de território Xukurús. Para efetivar o processo restava apenas a homologação e a indenização e desintrusão dos posseiros. Cinco dias depois, o procurador da FUNAI Geraldo Rolim foi assassinado. Em matéria na edição de 16/05/1995 da Folha de S. Paulo, um dia depois do incidente, revela que a polícia já acreditava que o crime estava ligado à demarcação das terras Xukurús. Segundo dados do jornal, a área que pertenceria a 1050 famílias de índios estava sendo ocupada também por 281 posseiros; entre eles, o principal suspeito e réu confesso Theopompo de Siqueira Brito Sobrinho, preso em abril de 1996.
Com o processo de regularização fundiária ainda não concluído e a possibilidade de contestar as demarcações, concebida no decreto 1775 de 1996, os posseiros enviaram 272 contestações a FUNAI, assinadas por sobrenomes como PETRIBU, CARNEIRO LEÃO e MACIEL.
Em 20 de maio de 1998, Francisco de Assis Araújo, o cacique Xicão, foi executado a 4 tiros na frente da casa da sua irmã. O cacique morreu a caminho do hospital, assassino nunca foi identificado. Sobre sua morte, a jornalista e doutora em antropologia Kelly Oliveira escreveu em artigo publicado no periódico da Universidade de Brasilia: "O cacique, que já havia recebido mais de 50 ameaças de morte desde o início de seu trabalho, sucumbiu à certeza de impunidade de outros dois assassinatos na área motivados por questões de terra". Ele foi enterrado na Pedra do Rei, localizada no seio da Pedra D'Água.
Chamado de Mandarú pelo seu povo, Xicão marcou a história dos índios Xucurus. O Professor Tiago Cesar, doutor em História e coordenador do mestrado em História da UNICAP, afirmou que este "foi o momento de cristalização da luta pela retomada das terras Xucuru". Para ele, o assassinato do cacique o transformou em um Mártir da causa. "Os índios dizem que Xicão não morreu: ele foi plantado", acrescentou.
No dia 20 de maio de 2017, 19 anos após o assassinato do cacique, a tribo Xucurú marchou, como faz todo ano, todo o percurso entre a Serra do Ororubá até a cidade de Pesqueira. A data também marcou o final da Assembleia Xucurú, evento de articulação política e afirmação de identidade da tribo. Diversos convidados, alunos, professores, militantes e simpatizantes da causa acamparam na aldeia, durante o final de semana.
O clima era de festa, além da oportunidade de reunir pessoas com diferentes perspectivas de mundo, 2017 foi um ano marcado por avanços na luta da tribo Xucurú. Em março deste ano, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), ligada à Organização dos Estados Americanos (OEA), iniciou o julgamento do Estado Brasileiro por violação aos direitos humanos pela demora na demarcação do território e descaso com a integridade dos Xukurú. Os indígenas fizeram a denúncia em 2002, mas só foi aceita em 2015. É a primeira vez que o Brasil se torna réu em uma corte internacional por violação de direitos humanos. A sentença ainda não foi emitida.
O filho de Xicão e atual cacique, Marcus, foi à Guatemala para defender sua causa. Lá ele comentou a morosidade do estado em relação a garantia dos seus direitos constitucionalmente garantidos.
“O povo Xukurú hoje ocupa mais de 95% do território, ressaltando que boa parte da área foi reconquista nossa por meio de retomadas, já pelo fato de o Estado brasileiro não atender ao prazo legal de regularização. Muitos dos espaços e das fazendas foram retomados pelo povo Xukurú no processo de recuperação do território”, afirmou o cacique Marcos Xukuru, que também está na Guatemala para participar da audiência.
20 de maio de 2017 foi um dia ensolarado, todos acordaram cedo, tomaram café e foram em direção à Pedra do Rei. Todo ano uma missa em homenagem ao cacique Xicão é realizada. Padres Católicos cantaram em sincronia com o público, depois o Toré foi dançado. Essa é o traço sincretista, fruto de anos de miscigenação com os europeus e africanos.
“Eles convivem muito bem com suas diversas matrizes. Eles têm a sua matriz indígena, toda aquela ideia dos encantados, dos Torés, enquanto também tem um padre que faz missas dentro de seus territórios. Também tem uma forte presença da igreja da Jurema... Me parece que eles têm um equilíbrio que não resulta em nenhum tipo de conflito, mas sim uma mistura” coloca o professor Tiago da Silva.
Após a missa, a multidão desceu até o portão que demarca o início do Território Indígena. Uma forte energia tomava conta do ar enquanto todos aguardavam ansiosamente a abertura dos portões. Os Xucurús, quando marcham até Pesqueira, mantém um ritmo bastante acelerado, quase um trote.
No meio daquele tumulto, cacique Marquinhos sobe em cima do portão e pede a palavra. Rapidamente a multidão se silencia e o líder se pronuncia.
“Nós, do povo Xucuru, deveríamos continuar a marchar em defesa desse solo sagrado. E hoje, em especial, não somos mais só um movimento. Nós temos vários sonhadores e sonhadoras que somam a luta, que escutam o chamado do guerreiro Xucurú. Somam as grandes lutas que nós temos que enfrentar nos dias de hoje. A assembleia precisa refletir e ver Xicão, para continuarmos nessa caminhada. E é isso que vamos fazer, se o estado brasileiro não sabe governar nós sabemos”.
“Muito Bem”,
“E diga o povo que avance”!
“AVANCE”!
Diga ao povo que avance!






